Policiais falam de responsabilização por Brumadinho



Necessidade de punição criminal dos responsáveis pelo rompimento da barragem de rejeitos na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), além da precariedade dos equipamentos disponíveis para identificação de vítimas e descumprimento da Vale no fornecimento de insumos para a perícia.

 

Esses foram os principais assuntos discutidos nesta terça-feira (12/3/19) em audiência da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que recebeu representantes da Polícia Civil e da Polícia Federal para esclarecer detalhes sobre as investigações em relação ao rompimento, que aconteceu no dia 25 de janeiro deste ano.

 

O chefe da Polícia Civil, Wagner Pinto de Souza, ressaltou que, em um primeiro momento, a corporação se fez presente na atuação frente à tragédia de forma solidária a outras instituições, como Polícia Militar e os Bombeiros, no resgate de vítimas. Logo em seguida, sua atuação teria se voltado para identificação das vítimas e investigação das causas do rompimento da barragem.“É preciso identificar os responsáveis e temos que alcançar toda a hierarquia do crime”, disse o delegado, referindo-se à necessidade de punir também membros da alta hierarquia da Vale que tenham envolvimento com a tragédia.

 

Para o deputado Sargento Rodrigues (PTB), presidente da comissão, já foi comprovado o chamado “dolo eventual”, ou seja, quando o agente, mesmo sem desejar o resultado do crime, assume seu risco. O parlamentar destacou que é preciso punir para além dos engenheiros e chegar aos dirigentes da empresa.

 

O deputado João Leite (PSDB) concordou com o colega e destacou o nome de Peter Poppinga, um dos diretores da Vale, que, de acordo com o deputado, já estava envolvido no rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana, em 2015.

 

Segundo ele, Peter, que atualmente está sendo processado por homicídio qualificado em função das 19 vítimas de Mariana, esteve também envolvido nas decisões que teriam levado ao rompimento da barragem em Brumadinho.“É ele que determina tudo. Foi agora afastado da Vale, mas isso não basta, ele tem que ser preso”, afirmou.

 

Os deputados Delegado Heli Grilo (PSL) e Alencar da Silveira Jr (DT) concordaram que o dolo eventual já foi comprovado e que agora é necessário responsabilizar os culpados. Já o deputado Bruno Engler, também do PSL, disse que confia no trabalho da polícia, mas que é preciso pressionar também o Poder Judiciário, para que a responsabilização seja efetiva.

 

O chefe da Polícia Civil afirmou que um trabalho multidisciplinar tem sido desenvolvido para determinar as responsabilidades, inclusive em parceria com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

 

Investigação indica que houve dolo eventualO chefe do Departamento Estadual de Investigação de Crimes Contra o Meio Ambiente da Polícia Civil, Bruno Tasca Cabral, reiterou, como o colega, que os culpados serão identificados. Ele é o responsável pela investigação criminal e disse que, até agora, já foram realizadas 59 oitivas, nas quais foram ouvidos suspeitos, sobreviventes e testemunhas.

 

Além disso, a Polícia Civil já teria cumprido oito mandados de prisão temporária e sete de busca e apreensão, nos quais foram recolhidos itens que pudessem ajudar nas investigações.

 

Bruno lembrou que não pode apontar nomes ainda, mas que uma das razões que demonstram que o rompimento era previsível e poderia ter sido evitado, o que demonstra o dolo eventual, é que a barragem já dava, desde 2017, sinais de ruptura.

 

Planejamento – O perito criminal federal Carlos Eduardo Palhares, da Polícia Federal, disse que é preciso também estar preparado para novas situações. Ele lembrou que são necessários planos de contingência detalhados e multi-institucionais, ou seja, que façam a previsão de atuações conjuntas das diversas agências do Estado, como Polícias Civil e Militar, Bombeiros e Ministério Público.

 

Meio ambiente - A deputada Beatriz Cerqueira (PT) frisou que além das mais de 300 mortes causadas pelo rompimento em Brumadinho, os prejuízos com o vazamento da lama de rejeitos vão perdurar no meio ambiente, no acesso à água e em atividades como a agricultura familiar. “Milhares ainda vão continuar sofrendo com esse crime por longo tempo”, disse.

 

Bruno Cabral, do Departamento de Meio Ambiente da Polícia Civil, ressaltou que esses danos também estão sendo investigados, com, por exemplo, medições de níveis de poluição, em especial hídrica, e recolhimento de amostras de flora.

 

Trabalho de identificação de vítimas é artesanal, segundo convidada

Desde o dia da tragédia, considerada criminosa pelos deputados presentes, já foram identificadas 200 vítimas mortas pela Polícia Civil. De acordo com a diretora de identificação da instituição, Letícia Gamboge Reis, uma das dificuldades é que o trabalho é artesanal, já que as fichas datiloscópias (de impressões digitais) disponíveis para a corporação são de papel.

 

“Nossos equipamentos são do início do século 20, temos grande carência de tecnologias que já são comuns em outros estados”, disse.

 

O deputado Sargento Rodrigues se comprometeu a observar essa demanda durante as discussões das leis orçamentárias do Estado, que se dão anualmente. Mesmo com a deficiência tecnológica, a datiloscopia foi essencial, segundo Letícia, para identificar 171 dos 200 corpos até agora.

 

Ela lembrou que a Polícia Civil tem trabalhado na emissão de documentos de identidade aos sobreviventes que perderam tudo com a tragédia. Já foram, segundo ela, emitidas gratuitamente 713 carteiras nas áreas da tragédia, além do trabalho no posto de identificação de Brumadinho.

 

Para os corpos que não puderam ser identificados por datiloscopia, os peritos utilizaram técnicas como DNA e odontologia legal, como explicou o superintende do Instituto Médico Legal (IML), Thales Bittencourt de Barcelos.

 

Uma das dificuldades, de acordo com ele, é que, na maioria dos casos, os indivíduos são recebidos como “segmentos”, ou seja, como corpos incompletos. Essa teria sido a situação de 357 dos 431 processos de identificação abertos no IML.

 

Vale não cumpriu acordo de doação de insumos para a Polícia Civil

 

Para o trabalho, houve um questionamento, junto a órgãos de controle externo da Polícia e ao Ministério Público, sobre a legalidade de possíveis doações, da empresa Vale à corporação, de insumos e equipamentos necessários à perícia.Diante da afirmação de que tal operação poderia ser feita, a empresa teria se comprometido a fazer uma série de repasses, incluindo melhoria nas condições elétricas do prédio do IML, que ficou sobrecarregado diante do grande número de vítimas do rompimento da barragem.

 

Segundo Thales, porém, a questão elétrica não foi resolvida e, do restante dos repasses combinados, apenas 30% teriam sido efetivados.

 

CPI - Os deputados presentes ressaltaram a necessidade de criar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da mineração na ALMG. O pedido foi assinado por 74 dos 77 parlamentares e já foi entregue ao presidente Agostinho Patrus (PV), que deve agora decidir sobre a abertura ou não da CPI.

 

Requerimentos – Durante a reunião, também foram votados requerimentos para a realização de audiências públicas e uma visita. A visita diz respeito à tragédia de Brumadinho e foi solicitada por todos os membros da comissão. O objetivo é ir ao Tribunal de Justiça para tratar dos mandados e processos abertos contra possíveis culpados da tragédia.

 

Já as audiências tratam de outros assuntos. Uma delas, solicitada pelo deputado Coronel Henrique (PSL), deve discutir a implementação de escolas cívico-militares em Minas Gerais. Já Bruno Engler solicitou reunião para debater o aumento da criminalidade em Minas Gerais depois do Estatudo do Desarmamento.

 

Por fim, os deputados Sargento Rodrigues e Delegado Heli Grilo solicitaram audiência para debater a situação dos servidores da segurança pública, que não tiveram reposição inflacionária nos últimos quatro anos e têm tido seus salários parcelados por mais de um ano.

14-03-2019