Nível de contaminação da água do Paraopeba gera insegurança na população próxima a represa de Três Marias



Pescadores, piscicultores e moradores locais questionam órgãos públicos e a Vale em reunião promovida pelo CBHSF.

 

Sensibilizado diante da ansiedade gerada pela falta de informação à população ribeirinha e às comunidades que sobrevivem do rio São Francisco e de seu afluente, o rio Paraopeba, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) convocou uma reunião para que os órgãos públicos estaduais e federais, junto a Vale, pudessem esclarecer as dúvidas e amenizar a preocupação da população. Desde o rompimento da mina Córrego do Feijão no dia em 25 de janeiro, desastre provocado pela mineradora Vale, em Brumadinho (MG), as pessoas seguem inseguras sobre a qualidade da água que abastece a região do lago de Três Marias. O encontro aconteceu nessa segunda-feira (4), em Felixlândia (MG), município localizado próximo ao ponto em que o rio Paraopeba deságua no São Francisco.

 

Organizada pela região do Alto São Francisco, que é responsável pela atuação desde a nascente na Serra da Canastra até a cidade de Pirapora, no Norte de Minas Gerais, a reunião teve a presença das associações de pescadores e piscicultores, de produtores rurais, de universidades, de geógrafos, dos comitês da Bacia Hidrográfica do Paraopeba e do rio das Velhas, da Agência Peixe Vivo, das prefeituras de Felixlândia (MG), Paraopeba (MG), Três Marias (MG), Morada Nova de Minas (MG), Paineiras (MG), São Gonçalo do Abaeté (MG), Curvelo (MG), da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater), do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad), Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), da Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo e da mineradora Vale.

 

Para muitos desses municípios que integram a região, a principais atividades econômicas estão diretamente ligadas a água. São mais de 150 empreendimentos aquícolas desenvolvidos no território. “Hoje a nossa região é uma das grandes produtoras de tilápia do Brasil. São produzidas mais de 20 toneladas por ano e qualquer impacto na qualidade da água tem um reflexo muito importante na qualidade desse peixe e na própria produção”, explica Leonardo Romano, coordenador da Câmara Técnica Setorial de Aquicultura da SEAPA (Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). O coordenador explica que a população está muito assustada com as informações desencontradas e a possibilidade do comprometimento do parque aquícola de Três Marias. “Peço que os responsáveis redobrem a atenção com relação aos cuidados que precisam ter para que, quando a água chegar aqui, não prejudique a população de peixes e os criatórios”, completa.

 

Eduardo Rasguido é piscicultor e se dedica a aquicultura há mais de 40 anos. Já percorreu quase todos os estados brasileiros realizando alguma atividade relacionada com a área. “Em 2001, colocamos os primeiros tanques-rede aqui na represa e começamos a produção comercial de peixes. Atualmente, temos o lago de Três Marias, no município de Morada Nova de Minas, como uma das maiores produções do Brasil. Um trabalho que gerou oportunidade para muitos desempregados que hoje sustentam suas famílias graças a piscicultura”, explica Rasguido sobre a importância econômica da atividade para região. O piscicultor desabafa que a tragédia com a mina da Vale, em Brumadinho, se tranformou em um pesadelo para quem sobrevive da água e precisa produzir um peixe com qualidade e segurança para a venda.

 

A angústia também é vivida pelos pescadores da região. Para José Raimundo Pinto, que vive da pesca, a possibilidade da chegada do rejeito aumenta a preocupação com a saúde. “Se esse rejeito atingir o lago de Três Marias vai ser uma coisa muito triste para nós. Nós ‘tamo’ querendo saber se podemos comer os peixes, se isso vai prejudicar a nossa saúde”, questiona o trabalhador.

 

Segundo Anivaldo Miranda, presidente do CBHSF, o comitê convocou a reunião porque criou-se uma grande ansiedade em toda a bacia do rio São Francisco. “Não tenho dúvidas que todos os ribeirinhos ficaram apreensivos e querem saber qual a repercussão desse evento e eles têm toda a razão. É fundalmental que as autoridades sejam as mais transparentes possível. Porque informação é a melhor maneira de baixar a ansiedade das populações e, de maneira organizada, preparar a sociedade para lidar com esse problema”, explica o presidente.

 

Responsável por esclarecer sobre a segurança da saúde pública, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SESMG) ainda não informou à população se é possível continuar consumindo o peixe da região.Urgência por respostas

 

O impacto econômico no entorno do lago de Três Marias é uma das grandes preocupações para os prefeitos dos municípios, que cobram alguma atitude da Vale. “O que a Vale vai oferecer para essas pessoas? O que ela vai fazer para dar apoio a esses produtores rurais? A Vale precisa montar um planejamento para que essas comunidades tenham sua sobrevivência garantida?”, questiona o prefeito de Três Marias, Adair Divino.

 

Outra reclamação é a falta de assistência dos órgãos, que ainda não entraram em contato com as prefeituras para darem qualquer tipo de posicionamento sobre a captação da água no rio Paraopeba. “Nós temos a responsabilidade de informar a população sobre o que aconteceu. O que sobrou foi o rejeito, minério e lama. A água pode não chegar com a lama, mas com toxidade e isso pode impactar tanto a atividade de pesca como a piscicultura. Os responsáveis precisam assumir isso”, desabafa Vanderli de Carvalho, prefeito de Felixlândia.

 

Ciente do papel do CBHSF em representar a sociedade, buscar esclarecimento e propor soluções, Altino Rodrigues Neto, membro da CCR do Alto São Francisco, do CBHSF, fala que é preciso desmistificar a informação. “A maior importância da reunião é tranquilizar a população. A gente é temeroso. Sabemos que algumas outras ações estão sendo tomadas como os barramentos de multimembranas, mas nem por isso podemos fechar os olhos “, relata.

 

Para o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, as leis precisam ser cumpridas e a empresa responsável pelo desastre precisa ser responsabilizada. “É preciso exigir, com a maior agilidade possível, que danos sejam reparados, pessoas abrigadas, que se dê assistência às familias das vítimas e que se acelere, ao máximo, as medidas para conter o avanço dessa pluma no rio Paraopeba e no entorno. É preciso ouvir todos os usuários da água. Esse momento não é de debate, mas de informação. Esse momento é de fazer as demandas. Ou seja, se ainda há tempo de colocar as barreiras, vamos colocar. Se dá pra intensificar as análises de antes de depois da água, vamos intensificar. Não vamos esperar o depois para tomar medidas”, explica Anivaldo Miranda.

 

Monitoramento diário das águas do Paraopeba

 

A Agência Nacional de Águas (ANA), a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), a Copasa e o IGAM trabalham juntos em 16 pontos, realizando o monitoramento diário da calha do rio Paraopeba. Todos os dias os relatórios das análises são publicados no site do IGAM (www.igam.mg.gov.br) e podem ser acessados pela população. Porém, a linguagem técnica dos documentos dificulta o entendimento das pessoas sobre a real situação da qualidade da água.

 

O diretor de Planejamento e Regulação do IGAM, Thiago Figueiredo Santana, explica que, diariamente, o órgão unifica as informações das quatro entidades e faz um boletim, além de disponibilizar notas de esclarecimentos e outros monitoramentos como o de impacto na fauna e na vegetação. “Por vício, nós somos muito técnicos e a linguagem não fica muito absorvível pelo cidadão comum que está precisando da informação se pesca, se irriga, se está sendo impactado ou não”, justifica. O diretor promete melhorar a linguagem das informações apresentadas no site, mas também sugere que as pessoas procurem a Emater e as associações dos municípios, que poderão traduzir melhor a informação e darem mais segurança a população.

 

O presidente do CBHSF informou que, além dos pontos monitorados pelos órgãos, o comitê mandou um ofício solicitando a direção da Agência Nacional de Águas (ANA) para que sejam feitas análises no lago Três Marias e a montante e a jusante da barragem da usina Retiro Baixo, para aferir como a pluma pode alterar a água do lago. “Vamos pedir para que os resultados diários venham com um texto mais compreesível para a população”, explica. O IGAM, por sua vez, fará a análise a respeito da toxidade dos peixes e disponibilizará em seu site.

 

Anivaldo Miranda propôs a criação de grupos de articulação com representantes de usuários de água e das universidades, para que atuem no balanço do impacto das águas. Sugeriu também que fosse criada uma sala de situação com técnicos e instrumentos de comunicação, com a ajuda do governo do Estado e da ANA.

 

Segundo o presidente, o grupo que atua com barragens no Comitê vai fazer um levantamento de todos os pontos mais vulneráveis da bacia hidrográfica do São Francisco para que sejam tomadas novas medidas para evitar futuros desastres.

 

Para o presidente do CBH Paraopeba, Winston Caetano, o momento é importante para que a população se aproxime dos comitês para defenderem seus interesses e do meio ambiente. “O comitê é o espaço democrático composto pela população, o poder público estadual, federal e a sociedade civil e seu papel é, também, intervir em conflitos. São 48 municípios que estão na bacia do rio Paraopeba.”Antes da reunião com a comunidade em Felixlândia, integrantes do CBHSF e da Agência Peixe Vivo, acompanhados de prefeitos e representantes de órgõas públicos, visitaram as instalações da Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, situada entre os municípios de Curvelo (MG) e Pompéu (MG). Recebidos pela gerente da usina, Lana Beatriz Campelo Oliveira, a equipe pode esclarecer as dúvidas e saber quais foram os procedimentos adotados pela usina, desde a queda da barragem.

 

Lana explicou que, até o momento, a situação está mais tranquila. “A gente reduziu o lago para poder receber a água, mas a gente não sabe o que vai chegar, porque depende da questão do clima de chuva ou não. Aquela lama densa que a gente estava esperando, não está vindo, segundo as análises feitas a montante. A preocupação é com algum contaminante, mas não com lama, mas se nós fecharmos toda a barragem e segurar a água, tudo que está abaixo morre. A questão é ver o que vai chegar e a gente opera de acordo com o que vai acontecendo”, explica a gerente.

 

A previsão para a chegada dos rejeitos no final do reservatório de Retiro Baixo é no dia 6 de fevereiro. De lá até às maquinas, que permanecem desligadas desde então, são 31 km de distância, o que garante tempo hábil para a usina tomar novas decisões.

 

Assessoria de Comunicação CBHSF

08-02-2019