“Fatberg”, um problema crescente e invisível nas redes de esgoto



As obstruções devido a gorduras e óleos de cozinha (fat, oil and grease, FOG), são a fonte de um problema global crescente nos sistemas de esgoto, que surge como resultado de mudanças em nossos hábitos alimentares, de higiene e domínio da cultura atual em utilizar e descartar.

 

A sua acumulação na rede de esgotos deu origem ao termo “Fatberg”, que foi admitido pelo dicionário Oxford em 2015 e significa literalmente “bloco de gordura”.

 

Essas gorduras originárias da descarga de efluentes residenciais, restaurantes e indústrias alimentícias, causam obstruções no sistema de esgoto das cidades, que podem levar ao transbordamento ou inundação. A liberação desses efluentes não tratados podem entrar em contato com a população, águas superficiais, etc., causando sérios riscos à saúde e ao meio ambiente.A agência ambiental americana [1] (Environmental Protection Association, EPA), estimou que nos Estados Unidos, pelo menos 36.000 transbordamentos de efluentes não tratados ocorrem anualmente, procedentes dos sistemas de esgoto, dos quais aproximadamente 47% são devidos aos FOGs.

 

Do mesmo modo, no Reino Unido, dos 25.000 incidentes deste tipo que são registrados por ano, 50% são devidos aos depósitos de FOGs. Além disso, em países como a Malásia e Indonésia, onde ocorre a produção em massa de óleo de palmeira, gerando descarga de efluentes com alto teor de FOG, este problema é agravado [2-4].

 

O debate social sobre este tipo de contaminação foi lembrado recentemente após a detecção do chamado “fatberg” de Whitechapel, a leste de Londres em setembro de 2017.

 

É considerado o maior depósito de gordura identificado até agora no Reino Unido, com um comprimento de 240 m e 130 toneladas de peso, já conhecido entre os britânicos como o monstro de Whitechapel [5].

 

Para promover a conscientização social sobre esses resíduos, o museu de Londres abriu de 9 de fevereiro a 1 de julho de 2018, a exposição “Fatberg!”, com amostras do mesmo [5-6].Definição e composição dos FOGs

 

Os chamados FOGs são subprodutos de cozinha gerados em restaurantes e indústrias de alimentos, que incluem principalmente resíduos alimentares e óleo de cozinha.

 

Correspondem a um grupo heterogêneo de compostos formados principalmente por tri-, di- e glicéridos (glicerol e ácidos graxos), esteróis, hidrocarbonetos não voláteis, ceras e outros lipídios complexos [4].

 

Os efluentes lançados em áreas residenciais que contêm, além de resíduos humanos, lenços umedecidos, produtos de higiene pessoal, etc., favorecem o acúmulo e a formação desse bloco de gordura ou “fatberg” no esgoto.

 

A análise laboratorial da composição de amostras de “fatbergs” identificadas em Londres [5] revelou que 90% de sua composição, além dos dejetos humanos, correspondem às gorduras utilizadas nas cozinhas; e os outros 10% são resíduos de plástico, cotonetes, seringas, fraldas, lenços umedecidos e até mesmo algumas marcas rotuladas como descartáveis, que não podem ser biodegradáveis no esgoto.

 

Isso está relacionado a mudanças nos hábitos alimentares, uma vez que o consumo de frituras e de refeições em restaurantes estão se tornando mais frequentes. De fato, as concentrações máximas de FOG em efluentes tradicionalmente correspondiam a valores de 50-150 mg/L [7]; no entanto, esses valores foram significativamente ultrapassados [8].

 

Note que esta análise também identificou uma alta concentração de suplementos esportivos, como hordenina e ostarina, proibidos pela Agência Mundial Antidoping. Bactérias potencialmente infecciosas, como Listeria monocytogenes, Escherichia coli e Campylobacter jejuni também foram observadas.

 

O mais preocupante é que bactérias potencialmente infecciosas foram detectadas com resistência a antibióticos [5].

Origem dos FOGs na rede de esgotos

 

Esses compostos são introduzidos na rede de esgotos por descarga direta, como ocorre em áreas residenciais, ou pelo descarte de óleo e gordura das unidades de remoção instaladas em muitos restaurantes.

 

Essas caixas de gordura, são projetadas para remover por gravidade a maioria dos FOGs na água antes da descarga. No entanto, sua eficiência depende da frequência de manutenção.

 

A eficácia destes separadores também depende do tamanho das gotas de gordura. A eficiência da separação é alta quando o tamanho é maior que 150 μm. No entanto, nas fases de limpeza de restaurantes ou indústrias alimentícias com base no uso de detergentes ou lavagens de alta temperatura, os FOGs são emulsificados, resultando em tamanhos de gotas inferiores a 150 μm, e não podem ser retidos por essas caixas de gorduras [4]

 

Investigações realizadas pela empresa “Thames Water”, em Londres, relacionou os locais do “fatberg” identificados com as áreas onde há um elevado número de restaurantes na cidade, apontando este tipo de estabelecimento como os principais focos de geração e acumulação de óleo e gordura [5]. Portanto, um cliente pode exigir não só a qualidade da sua alimentação, como também tem o direito de saber se a cozinha de um restaurante é “amiga do esgoto” antes de pagar pela refeição.

 

Uma vez que os FOGs atingem as tubulações, eles se encontram em ambiente alcalino reagindo com lenços umedecidos, fraldas, etc., através do processo de saponificação, formando uma massa (sais de ácidos graxos) calcificada insolúvel em água devido à presença de cálcio nos efluentes.

 

Estes correspondem aos depósitos de FOGs [2-4, 8-9]. Esta reação de saponificação, pode ser favorecida devido ao uso de detergentes e desinfetantes que contêm uma alta quantidade de hidróxido de sódio (NaOH).

 

Outros estudos sugerem, que o aumento na concentração de cálcio em efluentes poderia ser devido à corrosão nos tubos de concreto [4], uma consequência possível dos sistemas de esgoto antigos, como em Londres ou com baixa manutenção. No entanto, um número maior de estudos é necessário para entender claramente os fatores e mecanismos que afetam a formação de FOGs nas tubulações da rede de esgoto.

Efeitos dos depósitos de FOGs

 

Esses depósitos estão causando problemas consideráveis à atual infraestrutura de efluentes nas cidades, gerando perdas econômicas milionárias por ano, devido à rápida deterioração da rede de esgotos. O problema é agravado, se estes efluentes não tratados com poluentes potencialmente nocivos, conseguem ascender através das tubulações domésticas ou comerciais através de obstrução das tubulações principais da rede de esgotos. Este fato levaria a situações de risco à saúde da população e à contaminação de águas superficiais (rios, lagos), que poderiam gerar a eutrofização, que afetam os ecossistemas aquáticos.

 

Efluentes com alta concentração de FOGs também podem afetar a tubulação das estações de tratamento de esgoto e, portanto, também a eficácia de suas operações de tratamento. Além disso, os FOGs eventualmente seriam depositados no lodo, tornando-os mais viscosos e reduzindo a eficiência dos processos de desidratação de lodo [4].

 

Depósitos de FOGs são acumulados principalmente em aterros de resíduos sólidos, o que poderia levar a problemas ambientais adicionais, uma vez que a condutividade hidráulica do solo poderia ser reduzida [4].

Métodos de controle

 

Atualmente, como método de controle dos depósitos de FOGs, apenas as caixas de gordura são utilizadas em restaurantes, como um passo anterior à descarga de seus efluentes no sistema de esgoto, conforme dito anteriormente. No nível doméstico, existem caixas separadoras para depositar óleo de cozinha usado.

 

A revisão no projeto de rede de esgotos, poderia ser uma alternativa [10] para reduzir o acúmulo de FOGs.

 

Em relação ao tratamento biológico dos FOGs uma vez formados, (i) existem estudos de compostagem que alcançaram uma redução de 70% nos lipídios após 10 dias, enquanto o conteúdo de sólidos voláteis foi reduzido em apenas 20% [4].

 

Outros estudos que obtiveram eficiências na eliminação de FOGs elevados, são baseados em bioaumento (ii). Foram utilizados microrganismos que produzem lipases, enzimas responsáveis pela desintegração das gorduras, que poderiam ser adicionados em áreas específicas ou diretamente na tubulação [4].

 

A reutilização de FOGs para transformar esse resíduo em biodiesel já está acontecendo. Como exemplo, a empresa “Argent Energy”, na costa noroeste da Inglaterra, é uma das pioneiras.

 

No entanto, apenas 24-40% das conversões são obtidas [11]. O alto conteúdo de FOGs em ácidos graxos livres (mais de 15%) como consequência do processo de fritura do óleo de cozinha favorece a formação de sais de ácidos graxos na presença de catalisadores básicos, inibindo a separação entre o biodiesel e o glicerol, dificultando assim o processo de transesterificação para obtenção de biodiesel [4].

 

Assim, mais esforços devem ser direcionados para desenvolver principalmente métodos de prevenção, bem como métodos de controle, tratamento e reutilização de FOGs, ambientalmente e economicamente eficientes.

Bibliografia

 

[1] United States Environmental Protection Agency (EPA), Report to Congress (EPA 833-R-04-001): Impact and Control of CSOs and SSOs. www.epa.gov/npdes (Consultado en Mayo, 2018).

 

[2] Southerland R., 2002. Sewer fitness: cutting the fat. Am. City Country 117 (15), 27-31.

 

[3] Iasmin M., Dean L.O., Lappi S.E., Ducoste, J.J., 2014. Factors that influence properties of FOG deposits and their formation in sewer collection systems. Water Res. 49, 92-102.

 

[4] Husain I. A. F., Alkhatib M. F., Jammi M. S., Mirghani M.E.S., Zainudin Z.B., Hoda A., 2014. Problems, Control, and Treatment of Fat, Oil, and Grease (FOG): A Review. J. Oleo Sci. 63 (8), 747-752.

 

[5] The Guardian, disponible en: https://www.theguardian.com/uk-news/2018/apr/24/fatberg-autopsy-reveals-growing-health-threat-londoners (Consultado en Mayo, 2018).

 

[6] The Guardian, disponible en: https://www.museumoflondon.org.uk/discover/exhibiting-fatberg-monster-whitechapel (Consultado en Mayo, 2018).

 

[7] Metcalf & Eddy, 2003. Wastewater Engineering: Treatment and resource Recovery (4th edit.). Mc Grow Hill, EE.UU.

 

[8] Mattsson J., Hedström A., Ashley R.M., Viklander M., 2015. Review Impacts and managerial implications for sewer systems due to recent changes to inputs in domestic wastewater: A review. J. Environ. Manage. 161, 188-197.

 

[9] He X. de los Reyes F.L., Ducoste J.J., 2017. A critical review of fat, oil, and grease (FOG) in sewer collection systems: Challenges and control. Crit. Rev. Env. Sci. Technol. 47 (13), 1191-1217.

 

[10] Dominic C.C., Szakasits M., Dean L.O., Ducoste, J.J., 2013. Understanding the spatial formation and accumulation of fats, oils and grease deposits in the sewer collection system. Water Sci Technol. 68 (8), 1830-1836.

 

[11] Independent, disponible en: https://www.independent.co.uk/news/long_reads/fat-powered-buses-are-coming-to-a-street-near-you-a7882171.html (Consultado en Mayo, 2018).

 

Fonte: AGUASRESIDUALES.INFO, Cristina Pablos Carro, Grupo URJC, adaptado por Portal Tratamento de Água

 

Traduzido por Gheorge Patrick Iwaki

16-10-2018