Rios de esgoto: Pelo menos 75% das águas mineiras têm contaminação fecal além do permitido



Uma mistura de esgoto doméstico com resíduos industriais e lixos dos mais variados. Assim está boa parte dos rios mineiros. Apenas 33% deles apresentam condições boas e excelentes, segundo dados do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Nada menos que 75% das águas superficiais analisadas pelo órgão apresentam nível de contaminação fecal acima do aceito pela legislação. Situação que agrava a crise hídrica no Estado e aponta para a necessidade urgente de universalização de saneamento básico.

 

As condições da pouca água que sobrou em Minas após anos de chuvas abaixo da média é o tema da quarta e última reportagem da série sobre os conflitos envolvendo o recurso hídrico, publicada pelo Hoje em Dia.

O levantamento do Igam é feito por uma rede de monitoramento com 554 estações de amostragem distribuídas nas bacias hidrográficas de 17 rios mineiros. Para analisar as condições das águas, o órgão leva em conta nove fatores, dentre eles contaminação fecal e turbidez.

 

Na última pesquisa, de 2016, 23% dos rios avaliados apresentaram condições ruins e muito ruins. “Uma água com essa classificação não pode ser usada para dessedentação de animais, irrigação e ainda pode comprometer a qualidade ecológica do ambiente. Para uso humano, depende de um tratamento mais aprofundado”, afirma a gerente de Monitoramento da Qualidade das Águas do Igam, Katiane Cristina de Brito Almeida.

 

Até mesmo os 44% enquadrados no nível médio apresentam restrições de uso. “Nesses casos, depende da inconformidade apresentada. Se for contaminação fecal, não dá para irrigar alimentos”, explica. O levantamento mostra, então, que apenas 25% das águas verificadas em Minas podem ser usadas para a agropecuária, atividade relevante no Estado.

 

No Brasil, a contaminação das águas também é considerável. Segundo estudo da Fundação SOS Mata Atlântica, feito em 240 pontos de coleta posicionados em 184 rios, córregos e lagos, 97,5% deles estão em condições regulares, ruins e péssimas. “O mais grave é que as águas classificadas como ruins ou péssimas oferecem riscos à saúde pública. Quem tiver contato com essa água pode contrair dermatites, hepatites e germinoses que podem levar à morte”, afirma a coordenadora da entidade, Malu Ribeiro.

 

Saneamento

 

A falta de saneamento básico é um dos motivos para as más condições dos rios. Em Minas, 65% do esgoto ainda não é tratado, segundo o Instituto Trata Brasil. “Os rejeitos em todo o país estão indo para lugares inadequados. São jogados a céu aberto, contaminam os rios, reservatórios e lençóis freáticos”, afirma o presidente da instituição, Édison Carlos.

 

A poluição das águas é maior nas áreas mais populosas, segundo o coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinicius Polignano. No caso do rio das Velhas, por exemplo, os trechos mais críticos ficam em cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), com destaque para Sabará.

 

Até mesmo as águas subterrâneas estão em risco. Maricene Paixão, analista ambiental do Igam, lembra que esse recurso é o que a médio e longo prazos abastece os rios. Logo, é consumida pela população.

 

Prejuízos e mudança de rotina para os trabalhadores que dependem da bacia do Doce

 

Um rio morto. Assim as comunidades ribeirinhas classificam o Doce, completamente destruído pelos rejeitos que vazaram da Barragem de Fundão em novembro de 2015. São 19 meses sem pesca e irrigação no local. Prejuízo econômico e mudança de rotina para os que dependem da bacia para o próprio sustento.

 

“Antes havia muitos pescadores e produtores rurais por aqui. Hoje, não estamos usando a água para nada mais. Morreu o rio”, lamenta Mércia Paglioto, membro da Comissão dos Atingidos de Barra Longa Pela Barragem de Fundão.

 

O rio está impróprio para dessedentação de animais e irrigação de alimentos por causa dos altos níveis de turbidez e sólidos, conforme levantamento realizado neste ano pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).

 

“Nossa maior preocupação agora é com a estabilidade da água para consumo humano, o que já é possível em alguns trechos, com tratamento”, afirma Regina Pimenta, analista ambiental do Igam que integra o Comitê Interfederativo, criado para fiscalizar e validar as ações de recuperação da bacia.

 

Entretanto, com base em estudos feitos em 2017, a coordenadora da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, afirma que a água está muito longe da condição de apta para consumo. “O rio Doce está totalmente indisponível porque ainda têm rejeitos no entorno que são levados por chuvas para as águas”.

 

Reparação

 

Responsável pelo gerenciamento dos programas de restauração das regiões impactadas, a Fundação Renova afirma que trabalha na recuperação ambiental dos impactos do rompimento da Barragem de Fundão. Em nota, a organização informou que “os resultados dessas ações já vêm sendo observados ao longo do rio”.

 

Ainda segundo a instituição, “a qualidade da água do rio Doce é, em sua maior parte, similar ao que era observado antes do rompimento da Barragem de Fundão e está apta para o consumo da população após tratamento, como era feito antes do evento”.

 

A Fundação Renova explica que recursos estão sendo disponibilizados para investir no tratamento de esgoto, além da recuperação ambiental e das nascentes. Implantação de estruturas próximas à barragem para evitar o carreamento de rejeitos para o meio ambiente é outra aposta, dentre outras.

 

Planos

 

A universalização do saneamento básico em Minas Gerais poderá ser alcançada até o ano de 2030. Esse é o objetivo do Plano de Saneamento Básico, em fase de licitação, de acordo com a Secretaria de Estado de Cidades e Integração Regional.

 

Em nota, a pasta informa que serão investidos R$ 2,09 milhões no programa, que apresentará um diagnóstico da situação do saneamento nos municípios mineiros, definirá as competências e responsabilidades entre órgãos governamentais, além dos recursos a serem aplicados, e padronizará as ações voltadas para o saneamento em Minas.

 

Em âmbito nacional, existe o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Aprovado em dezembro de 2013, a ideia é colocá-lo em prática ao longo de 20 anos. Por nota, o Ministério das Cidades afirma que, apesar de os relatórios estarem em elaboração, a maior parte das metas evoluem bem e devem ser alcançadas em curto prazo. “Tanto a universalização do saneamento como a redução de episódios de crise hídrica passam, necessariamente, pelo aperfeiçoamento da gestão dos recursos hídricos”, afirma a pasta.

Confira o infográfico

22-08-2017