Para fazer o sacolão: BH tem mais de 30 mil árvores frutíferas



Se você é demasiadamente urbano e não costumava ir para a roça na infância, já deve ter passado, sem perceber, por vários pés de frutas pelas ruas de Belo Horizonte. Mas, se reparar, vai ver que tem árvores frutíferas espalhadas aos montes na área urbana – são mais de 30 mil espécies, para todo cheiro, sabor e época. Durante uma tarde de caça às frutas pela cidade, na última semana, a reportagem encontrou 12 tipos diferentes bem ao alcance das mãos. Em alguns casos era preciso uma vara ou uma escada para pegar o fruto, mas dá para fazer o sacolão da semana sem gastar nada, apenas desfrutando da cidade.

 

Tem gente que é capaz de enxergar uma romãzeira do outro lado da avenida Olegário Maciel, perto da praça da Assembleia, na região Centro-Sul. Os caríssimos romãs, que em janeiro chegam a custar R$ 50 o quilo, estavam lá, de graça, ainda pequenos e verdes, mas prestes a amadurecer.

 

A época agora é de goiabas. No bairro Santa Tereza, na região Leste, tem uma goiabeira cheinha. Acerolas e pitangas também já podem ser colhidas. No meio da procura, Beatriz Albuquerque caminhava pelo bairro São Lucas, na mesma região, com sua cuidadora, e indicou o pé de acerola na rua Visconde de Taunai. “Vai lá, está carregadinho”, disse a senhora, que não relevou a idade.

 

Mas, quando a equipe chegou, já era tarde. Praticamente todas as acerolas já haviam sido colhidas. Beatriz, inclusive, confessou que encheu a mão e chupou um tanto no dia anterior. “Na semana passada, pegamos várias mangas na rua perto de onde faço ginástica”, contou ela. “Mas me dá prejuízo porque sou eu que carrego a sacola”, emendou a acompanhante.

 

Antes de continuar a caminhada, elas apontaram um pé com tomates verdinhos.

 

Para todos. Em plena esquina da rua Arturo Toscanini com avenida do Contorno, no bairro Santo Antônio, região Centro-Sul, cresceu um pé de mamão formosa. Nele, só restavam os frutos grandes e verdes no alto – os do tronco já tinham sido colhidos. Moradora do prédio em frente, Shirley Moreira, 70, conta que já viu “gente chique” pegando mamão, enquanto o síndico do prédio, Juliano Sá, 37, já surpreendeu mendigo e motoboy na colheita. “As pessoas passam aqui e ficam admiradas com os mamões. A ideia é compartilhar mesmo”, observou Sá.

 

A descoberta do mamoeiro ali rendeu até uma provinha do doce de mamão. “Nem dá tempo dele amadurecer que o povo já pega”, falou Shirley, que aproveita a casca do fruto de vez para fazer a sobremesa. “É uma delícia, não amarga nada; vem cá provar”, ofereceu.

 

Saiba mais

 

Proibição. Cerca de 11% das plantas de BH são frutíferas. Mas há seis anos existe uma deliberação normativa (69/2010) que recomenda não plantar pés de frutas nos passeios, por sujar o chão, causar acidentes, atrapalhar fiação elétrica e quebrar calçadas. “É uma discussão polêmica na arborização urbana. Mas algumas plantas são totalmente possíveis, como romã e pitanga”, considera a bióloga do jardim botânico de BH Maria Guadalupe Carvalho.

 

Vantagens. O arquiteto e urbanista Sergio Myssior defende as frutíferas. “O benefício é muito maior por ter uma cidade com cheiros e sabores. As frutas aproximam os pássaros do urbano e as pessoas da natureza”, diz.

 

 

Bicho de goiaba goiaba é!

FOTO: Leo Fontes

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Na chegada à rua Hermílio Alves, no bairro Santa Tereza, um homem colhia goiabas com uma vara. Tinha tirado mais de dez no dia anterior e ainda restavam algumas. Os funcionários do Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar cuidam da planta na porta da sede e pegam frutas para fazer suco. “Eu acho um desperdício um espaço na cidade não ter árvore frutífera”, disse João Batista, 62, diretor do sindicato. As pessoas que passam na via também aproveitam da goiabeira e já saem comendo. Se encontram bichinhos dentro, lançam mão do ditado: “bicho de goiaba goiaba é!”.

 

Número

 

7,5 mil de toneladas do ar de BH são provenientes das plantas.

 

Colaborativo

Mapa já contabilizou mais de 800 espécies

 

Banana no centro, lichia na Pampulha, amora no Santa Tereza. Quer achar as árvores frutíferas nas ruas? Sabe de mais alguma na cidade? Então, entra no mapa virtual colaborativo disponível na fanpage Fruta na Rua BH, no Facebook. Já são mais de 800 árvores cadastradas desde a criação da plataforma, há menos de um ano. Sem quebrar os galhos e com jeitinho, dá para colher bons frutos por ele, enquanto espera-se a conclusão do inventário de todas as plantas da capital, iniciado em 2011 pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), que será aberto ao cidadão.

 

“Já tem 300 mil árvores catalogadas nas regiões Leste, Noroeste, Oeste e Centro-Sul e em parte da Pampulha. A expectativa é que sejam 450 mil na cidade. Para terminar o inventário, a nova gestão fará outro edital e deve ser preciso mais um ano”, explicou o arquiteto e urbanista da SMMA Julio de Marco, coordenador do sistema do inventário.

 

Nova York. Ele justifica a demora pelo nível de detalhamento. “É muito parecido com o mapeamento feito em Nova York”, destacou. Na cidade norte-americana, porém, 2.000 voluntários calcularam os benefícios econômicos e ambientais das plantas. “Cada seis árvores são responsáveis pelo lançamento de 100 toneladas de oxigênio”, cita Marco. Isso significa que 7,5 milhões de toneladas do ar de BH ficam por conta das plantas. “As árvores não são mobiliário, são infraestrutura ecológica, ajudam até no combate a enchentes”, explica o arquiteto.

 

Carregando escada e balde, a flautista Priscila Norberto, 28, criadora do Fruta na Rua, sai pela cidade atrás de frutos, come com gosto e leva as sementes: “Se as árvores já são maravilhosas para o ambiente, as frutíferas ainda alimentam e tornam a cidade sustentável”. (JS)

08-02-2017