Falta de estações de tratamento no Norte de Minas piora situação do Rio São Francisco



Montes Claros/Pirapora/Buritizeiro – Enquanto as obras de revitalização do Rio São Francisco não são executadas por conta da falta de recursos, a situação de agonia na bacia se agrava com o avanço do assoreamento e a redução do seu volume. Em vários locais, sem a implantação das prometidas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE), o rio se torna cada vez mais poluído enquanto moradores sofrem com a falta de redes de esgoto.

“Infelizmente, o que temos assistido é o volume do rio diminuir cada vez mais, com o aumento dos problemas ecológicos e sociais. Por outro lado, não vimos investimentos na bacia por parte do governo federal e dos governos estaduais”, afirma Silvia Freedmann, coordenadora do Alto São Francisco do Comitê da Bacia Hidográfica (CBHSF). “Na prática, só existem ações da sociedade civil e ribeirinhos”, completa Freedman, que coordena uma região que abrange mais de 240 municípios na bacia do Velho Chico em Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal e parte da Bahia.

 

Ela salienta que, embora o governo federal tenha relançado o projeto de revitalização do Rio São Francisco, com o nome de “Novo Chico”, no ano passado, na prática, ainda não foi implementada nenhuma ação para a preservação do rio, pois a liberação de verbas não ocorreu.

 

Silvia Freedman lembra que o Velho Chico nunca atingiu um volume tão baixo como o atual, com apenas 700 metros cúbicos por segundo de vazão na barragem de Sobradinho (BA). Essa situação é decorrente do desmatamento, de retirada de matas ciliares e do assoreamento. E ela chama a atenção para outro grave problema: a abertura de poços tubulares de forma indiscriminada, o que provoca a redução do lençol freático e seca as nascentes.

 

“Com o secamento dos afluentes, as comunidades precisam de água para o consumo humano e para manter os animais. Aí, são abertos poços de forma desordenada, provocando a redução da quantidade de água subterrânea. Isso é uma ameaça ao aquífero Urucuia, que contribui com as nascentes do Alto São Francisco”, alerta a ambientalista. “Hoje, os dois principais problemas que afetam a bacia são o secamento das nascentes, com a exploração descontrolada de água do subsolo e o assoreamento, em função da retirada da cobertura vegetal das margens”, completa Freedman.

 

VAZÃO REDUZIDA O secretário-executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Lessandro Gabriel da Costa, considera a falta de recursos para o tratamento de esgoto como uma das questões mais sérias ao longo do Velho Chico. Ele salienta que, com a escassez de chuvas, desaparecimento de nascentes e o assoreamento, a vazão do rio tem reduzido drasticamente. Com isso, a poluição aumenta com maior concentração de esgoto na água. “O esgoto mata toda a vida aquática”, observa Lessandro.

 

O secretário-executivo do CBHSF afirma que, “desde foi descoberto” por Américo Vespúcio em 4 de outubro de 1504, o Velho Chico sofre com o desmatamento, drenagem de lagoas marginais e veredas para favorecer a agricultura e o pisoteio do gado nas nascentes. Nos últimos anos, com o crescimento desordenado das cidades, agravou-se o problema do lançamento de esgoto e lixo nas águas, com os municípios não contando com recursos próprios para resolver a questão. Ele lembra ainda que, até então, apesar do prometido plano de saneamento básico para “despoluir” o São Francisco, Lagoa da Prata (Centro-Oeste de Minas) é a única cidade de toda bacia (504 municípios) que tem uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) que processa 100% dos detritos.

 

A agonia do Velho Chico sem os investimentos na revitalização é testemunhada por Sidney Olímpio, secretário municipal de Cultura, Turismo e Meio Ambiente de Januária (Norte de Minas). “O Rio São Francisco está morrendo por conta da degradação. As matas ciliares não existem mais. As veredas e afluentes também estão secando. O pior é que ao mesmo tempo que fala em recuperação, o governo libera financiamento para empresas que desmatam e acabam com as veredas e nascentes”, reclama Olímpio, lembrando que, como mostrou série de reportagens do Estado de Minas, diversas veredas que formam o Pandeiros (um dos principais afluentes do Velho Chico) já estão secas.População recorre a fossas

 

O programa de revitalização do Rio São Francisco, lançado no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, previa a construção de uma série de Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) em municípios da bacia. Mas, em vários deles, as obras iniciaram e não tiveram prosseguimento. Por isso, o manancial continua sendo poluído e a população sofre com a falta da obra.

 

A situação é verificada em Buritizeiro (Norte de Minas). Em outubro de 2009, o então presidente Lula lançou o projeto da ETE do município. Na ocasião, ele garantiu que o projeto não seria deixado pela metade e que a revitalização do Velho Chico não sofreria interrupção, citando ações como o reflorestamento para recuperar as matas ciliares e o tratamento de esgoto como medidas imprescindíveis.

 

No entanto, pouco tempo depois de iniciadas, as obras da construção da ETE e da implantação de 100 quilômetros de redes coletoras de esgoto da cidade foram interrompidas. A empreiteira vencedora da licitação abandonou a obra, após abrir valetas e enterrar a tubulação.

 

Por isso, até hoje, os moradores sofrem com a falta de redes de esgoto, a poucos metros do leito principal do Velho Chico. Mesmo aqueles que não despejam esgoto direto no rio o faz indiretamente, pois tem que recorrer a fossas, que contaminam o solo e, consequentemente, poluem o manancial, por meio de lençóis subterrâneos.

 

O forneiro Messias Nunes, de 47 anos, conta que construiu uma fossa para servir ao único banheiro da casa. Mas, como mora praticamente no barranco do Velho Chico, uma parte do esgoto doméstico da residência escorre a céu aberto e cai direto no leito do rio. “Como toda a população, tive a esperança de que pelo menos a rede esgoto da cidade fosse construída. Mas, como nada foi feito, a gente tem que usar fossa e, mesmo assim, tem esgoto que cai direto no rio. Fazer o que, né?”, diz Messias.

 

O almoxarife Josué Adalto da Silva, de 61, reclama que, diante da falta de rede de esgoto, já está iniciando a abertura da terceira fossa no quintal de sua casa, situada próxima do leito do São Francisco. Ele disse que ficou esperançoso de que o “sofrimento” iria acabar diante da promessa da ETE. “Na época que o (ex-presidente) Lula veio aqui, a expectativa era ótima. Teve muita promessa. Eu acho que até o dinheiro saiu, só que não foi aplicado em nada para a gente”, afirma.

 

Da mesma forma, o aposentado Antonio Francisco da Silva, de 78, lamenta que a população continue enfrentando a falta de rede de esgoto. “Parece que o dinheiro para a obra veio. Mas, não sei o que fizeram”, diz.

 

Do outro lado do rio, no município de Pirapora, Cauby Santos Pereira, de 53, assiste com tristeza a situação do córrego Entre Rios, que despeja no Velho Chico. “Presenciamos esta poluição no córrego por causa da falta de rede de esgoto. Essa água aqui (do Entre Rios) é esgoto puro, que vai direto para o São Francisco. Assim, a cada dia, o rio recebe mais esgoto 'in natura' e fica mais assoreado”, protesta.

 

OUTRO LADO A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), por meio da sua Diretoria Regional em Minas Gerais (sediada em Montes Claros), informou que já foi elaborado novo projeto do sistema de tratamento de esgoto de Buritizeiro. As obras estão orçadas em R$ 21 milhões e está sendo aguardada a liberação de recursos para a retomada dos serviços. O novo projeto foi elaborado por uma empresa contratada, que cobrou R$ 486,47 mil para a sua conclusão.

03-02-2017