Água do rio Doce está imprópria



Para muitos que vivem à beira do rio Doce, entre Minas e Espírito Santo, a chuva dos últimos dias é sinônimo de esperança para que os restos da lama que vazou da barragem de Fundão, da Samarco, no dia 5 de novembro, em Mariana, na região Central, sejam levados embora. A expectativa, no entanto, é contrariada pela realidade. Um levantamento realizado pela fundação SOS Mata Atlântica mostra que o rio permanece infestado pelos rejeitos de minério, principalmente nas margens e no leito, o que deixa sua água imprópria para o consumo humano e animal.

 

“Infelizmente, as chuvas acabam por arrastar mais lama para o leito do rio, e a situação tende a ficar mais complicada. Ao contrário do que se esperava, esse material é muito fino. Ele não dilui e nem se dispersa na correnteza. O minério só vai ser retirado de lá se houver um trabalho específico no rio. Pela natureza, isso levará décadas”, afirmou a coordenadora da Rede das Águas da fundação, Malu Ribeiro.

 

Para chegar a essa conclusão, a pesquisa realizada pela organização rodou 650 km do rio, percorrendo 29 municípios e coletando amostras de água em 18 pontos. Desses, 16 apresentaram o IQA (Índice de Qualidade da Água) péssimo, e dois obtiveram índice regular. “Em todo o trecho percorrido e analisado, a água está imprópria para o consumo. Para ficar própria, as empresas de saneamento e distribuição precisam fazer um tratamento muito mais intenso para entregar a água à população”, disse Malu.

 

O estudo apontou ainda que a turbidez e o total de sólidos na água estão muito acima do que estabelece a legislação. “Ela (a turbidez) variou de 5.150 NTU (Nephelometric Turbidity Unit, unidade matemática utilizada na medição da turbidez) na região de Bento Rodrigues e Barra Longa, a 1.220 NTU em Ipatinga (MG), aumentando gradativamente na região da foz, em Regência (ES). O máximo aceitável é de 40 NTU”, explicou a coordenadora.

 

Precária. O levantamento também levou em conta que antes mesmo do rompimento da barragem de Fundão, o rio Doce já vinha sofrendo com assoreamento e a poluição. “Já era uma situação ruim, que se tornou precária. Agora, com base no monitoramento que vem sendo realizado de forma independente pela sociedade e por autoridades, esperamos que seja possível planejar ações de recuperação de médio e longo prazo para a bacia”, afirmou.

 

A pesquisa será encaminhada aos governos federal, de Minas e do Espírito Santo.

 

Outro lado

 

Rio. A Samarco informou que considera o relatório divulgado recentemente pelo CPRM e pela ANA, que trata a água como possível de ser tratada. Ela ainda afirmou que monitora o rio.

 

Saiba mais

 

Posição. A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) informou nesta terça que realiza a análise diária da água do rio Doce e que essas avaliações “atestam o atendimento aos parâmetros de potabilidade da água tratada, conforme determina portaria do Ministério da Saúde”. Procurado pela reportagem, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) não havia se pronunciado sobre a pesquisa até o fechamento desta edição.

 

Visita. Membros do Fórum de Responsabilidade Corporativa (FRC) da BHP Billiton, acionista da Samarco junto com a Vale, visitarão a região de Mariana nesta semana para avaliar os impactos do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão e como a Samarco tem respondido ao acidente. Durante a visita, os membros do FRC se reunirão com representantes das comunidades afetadas, do governo local, da Samarco

e da Vale.

 

Histórico. Segundo a empresa, desde 1999 o Fórum de Responsabilidade Corporativa tem sido fundamental para ajudar a da BHP Billiton a tomar decisões informadas em questões de sustentabilidade e no desenvolvimento de padrões adequados.

 

Intenção. O objetivo do fórum, de acordo com a mineradora, é buscar “o entendimento sobre prioridades atuais e emergentes” dos problemas causados pelo rompimento da barragem de Fundão, permitindo que a “BHP Billiton entenda e considere implicações amplas para a sociedade”.

 

Ministra defende mudança na lei

 

Após o acidente em Mariana (MG), maior tragédia ambiental do país, a ministra de Meio Ambiente, Izabella Teixeira, defendeu mudanças no processo de autorização de funcionamento de barragens no país. Ela ponderou, entretanto, que essa decisão deve ser tomada após conclusão do que motivou o desastre.

 

“Todo acidente que acontece no mundo tem a fase de recuperação, e, depois, os órgãos técnicos vão verificar todos os procedimentos de segurança associados àquele caso. Verifica-se normalmente, e você muda os procedimentos, torna-os mais exigentes para esse tipo. Obviamente deverão haver mudanças no processo de autorização de funcionamento de barragens como essa”, disse em coletiva de imprensa, no Palácio do Planalto, nesta segunda.

 

No local, a presidente Dilma Rousseff se reuniu por cerca de duas horas com representantes dos governos federal, de Minas e do Espírito Santo, além das empresas Vale e BHP, donas da Samarco. Segundo o ministro Luís Inácio Adams, da Advocacia Geral da União (AGU), a intenção foi avaliar a evolução de um acordo entre as partes, que deve ser anunciado até a próxima semana. Ele destacou que Vale e BHP são garantidoras dos aportes financeiros para medidas ambientais e sociais previstas diante do impacto do desastre.

27-01-2016