Buenos Aires é um dos destinos mais procurados por brasileiros que querem aproveitar um friozinho ameno durante o inverno. A característica da cidade — com temperaturas que beiram 0ºC — pode estar com os dias contados, garantem pesquisadores do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU). Mais quente e úmida, a capital argentina, que muitas vezes levou o título de cantinho europeu na América do Sul, está se tornando um recanto tropical, parecido com o Rio de Janeiro. Buenos Aires não é exceção. Cada vez mais cidades estão sendo descaracterizadas pelo avanço das mudanças climáticas.
De acordo com Osvaldo Canziani, climatologista da Universidade de Buenos Aires (UBA) e do IPCC, o fenômeno de desfiguração do clima das terras portenhas avança rapidamente. “Estamos nos movendo em direção à tropicalização, as temperaturas mínimas subiram muito e a umidade aumenta pelo aquecimento dos oceanos”, disse à Rádio Mitre. “A mudança climática está ocorrendo no mundo inteiro, e a cidade de Buenos Aires já está vivendo essas mudanças. (…) A onda de calor que estamos enfrentando é parte desse grande processo”, completou ao jornal El Clarín.
Nem de longe Buenos Aires está sozinha nesse processo de desfiguração climática. São Paulo, cidade famosa pela garoa — aquela chuva leve e constante —, vê essa sua característica sumir. Um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciou a morte definitiva de seu mais famoso fenômeno climático. A capital paulista é agora a cidade das tempestades. “Além das mudanças climáticas, a expansão urbana é a principal responsável pelo desaparecimento da garoa em São Paulo”, conta o meteorologista Carlos Nobre, ex-presidente do Inpe e Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
A garoa era fruto da brisa marítima, que, no início da tarde, conseguia subir a Serra do Mar e penetrar na cidade. Com a urbanização gigantesca que São Paulo passou desde os anos 1950, essa brisa não consegue adentrar mais nos espaços urbanos. Além disso, um fenômeno conhecido como ilha de calor vem deixando a cidade até 4ºC mais quente nas últimas décadas — no mesmo período, o aumento da temperatura no restante do planeta foi de 0,4ºC. Mais calor significa mais evaporação. Assim, as gotículas de água que poderiam formar chuva evaporam rapidamente, resultando em tempestades.
O fenômeno paulistano é parecido com o que enfrenta Londres. A cidade que por séculos foi famosa pela eterna neblina e pelo tempo fechado está ficando mais ensolarada. “A tropicalização é um fenômeno que ocorre em todas as regiões subtropicais do mundo. Assim como Buenos Aires no Hemisfério Sul, no Norte do planeta, Londres sofre com o problema”, conta o secretário do MCTI. Em terras britânicas, o calor adicional trazido pelo aquecimento global faz com que as gotículas formadoras da neblina evaporem, deixando o tempo mais aberto.
Seca acentuada Se em regiões amenas o tempo está esquentando, nas cidades quentes a situação tende a piorar. Carlos Nobre prevê que a tradicional seca brasiliense, que atinge boa parte do Planalto Central, deve ficar ainda mais rigorosa. “Essa é uma região de clima bem marcado, com verão chuvoso e inverno seco. O que deve ocorrer é uma acentuação de 10% a 20% na intensidade desses fenômenos”, afirma o especialista. Assim, embora seca e chuva continuem ocorrendo nas mesmas épocas, pode-se esperar dos períodos já chuvosos ainda mais chuva, e da seca medidores de umidade próximos de zero.
Esse tipo de problema deve ser sentido em toda a região tropical ao redor do globo. A cidade de Nairóbi, no Quênia, por exemplo, começa a enfrentar epidemias de malária, doença da qual estava a salvo graças à altitude. “Quando os ingleses fundaram Nairóbi, eles escolheram o local por ser alto e, portanto, frio o suficiente para o mosquito transmissor não proliferar”, afirma Nobre. “Agora que o clima da região subiu mais de 1ºC, o mal começa a bater à porta da cidade”, completa.
Lidar com a questão será um dos temas discutidos na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que ocorre de 13 a 22 de junho do Rio de Janeiro. Respostas eficazes para os problemas do clima podem ficar distantes devido a um possível esvaziamento do evento. Na semana passada, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, avisou que não participará da reunião de cúpula. Na sexta-feira passada, foi a vez de a chanceler alemã, Angela Merkel, avisar que não virá para a reunião. A participação do presidente norte-americano, Barack Obama, também não está confirmada.
Cidades desfiguradas
Veja como os climas característicos de alguns locais estão se modificando
Buenos Aires tropical
Característica: destino de brasileiros que querem curtir o friozinho do inverno, sem os exageros das regiões de neve, a cidade é famosa pelos outonos e primaveras amenos e pelos invernos frios e úmidos
Mudança: segundo pesquisadores que fazem parte do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), a cidade está se tornando cada vez mais tropical. A Buenos Aires tropicalizada tem chuvas mais frequentes e fortes, além de temperaturas mais quentes
Causa: a mudança nos ciclos dos ventos e das chuvas — que aumentaram 20% nas últimas décadas — eleva o nível do Rio da Prata. Além disso, a temperatura média anual promete subir 5ºC na próxima década
São Paulo sem garoa
Característica: conhecida como "terra da garoa", durante seus primeiros séculos de vida, a capital paulista mantinha um clima com chuvas leves e constantes espalhadas pelo ano todo
Mudança: além de muito mais quente, São Paulo está se tornando a terra das tempestades. As chuvas constantes e suaves estão dando lugar a verdadeiras trombas d’água. O número de tempestades em 2011, por exemplo, foi 3,5 vezes maior do que a média histórica
Causa: a selva de concreto que substituiu a vegetação vem tornando a cidade mais quente — isso porque o concreto absorve mais calor que as plantas. Temperaturas mais altas resultam em mais evaporação de água e, por consequência, em chuvas mais intensas Londres com sol forte
Característica: o tempo londrino sempre foi famoso pela atmosfera eternamente nublada. Temperado oceânico, o clima da cidade raramente apresentava verões de calor intenso
Mudança: segundo o Met Office, o centro meteorológico britânico, a chuva deve ficar mais escassa e a temperatura média deve subir entre 4ºC e 6ºC, podendo escalar 12ºC nos anos mais quentes. Nos dias mais quentes, a cidade pode ficar sob 40ºC , temperatura típica de lugares tropicais, como o Rio de Janeiro
Causa: com o aumento da temperatura do planeta, as nuvens de chuva que visitavam a capital britânica o ano todo estão mais escassas. As massas frias dos polos não conseguem penetrar a região onde massas de ar quente ficam estacionadas
Berna sem neve
Característica: a cidade suíça, cravada nos Alpes, é uma das mais procuradas do mundodevido a suas estações de esqui, com neve suficiente para todo o inverno
Mudança: de acordo com Universidade de Berna, uma elevação de temperatura em 2,6ºC até 2030 seria o limite para a manutenção da neve nas altitudes médias. No entanto, a expectativa é de que uma em cada três estações de esqui precise ser fechada
Causa: as mudanças climáticas vêm diminuindo as precipitações no verão e as aumentando no inverno. O resultado do desequilíbrio é a diminuição da neve em altitudes médias e um aumento nas zonas mais altas, onde a atividade econômica é inviável
Veneza alagada
Característica: construída sobre canais, a cidade transborda cultura. Passear por seus cursos d’água é uma das atividades turísticas mais famosas do mundo
Mudança: nos últimos séculos, a água subiu 20cm. Nos anos mais recentes, a velocidade desse processo aumentou, e as águas do Mar Adriático sobem 1,4mm por ano. As barragens que estão sendo construídas para segurar a água podem não ser suficientes para salvar a cidade
Causa: o aquecimento global vem derretendo as geleiras nos polos e no topo de cadeias de montanhas. Toda essa água escoa para os oceanos, aumentando seus níveis. O resultado é o alagamento de áreas costeiras, como a cidade italiana