Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado uma série de enchentes catastróficas, como a de janeiro, que provocou deslizamentos na Região Serrana fluminense, deixando mais de 400 mortos. Foi uma sequência das tragédias de 2010, quando 256 pessoas perderam a vida no mesmo estado devido a inundações, e de dois anos antes, quando chuvas torrenciais mataram 151 moradores de Santa Catarina. O fenômeno natural La Niña está associado ao aumento das precipitações. Mas a mão do ser humano também está por trás das tempestades. É o que afirmam dois artigos publicados na edição de ontem da revista especializada Nature.
Os brasileiros não são os únicos a sofrer com as fortes chuvas, que também provocaram danos recentes na Austrália e no Sri Lanka. Segundo o Centro de Pesquisas de Epidemiologia dos Desastres da Bélgica, no ano passado, o Paquistão foi o país mais afetado: em julho, houve 1.985 mortes. China, Uganda e Colômbia também foram castigadas pelo aumento das precipitações. "O que vem acontecendo não pode ser explicado, apenas, pelas mudanças naturais do clima. Sempre houve uma suspeita de que alterações extremas nas precipitações estivessem ligadas às emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Mas, até agora, não havia um estudo que mostrasse o aspecto humano influenciando o aumento das chuvas. Nosso artigo fornece evidências científicas da ação antropogênica no fenômeno", disse Francis Zwiers, da Universidade de Victoria, no Canadá.
Na terça-feira, Zwiers participou de teleconferência mundial de imprensa com os demais autores. Ele explicou que o estudo foi realizado com multimodelos de simulações de mudanças climáticas, comparados a dados históricos meteorológicos. Os cientistas observaram e simularam alterações em precipitações extremas baseadas na máxima anual diária e nos cinco dias consecutivos ao evento, registrados na segunda metade do século 20. "Escolhemos esses índices porque eles caracterizam eventos extremos que normalmente causam impactos na sociedade, e porque eles podem ser usados para estimar a probabilidade de ocorrerem novamente", explicou.
MONITORAMENTO - Os pesquisadores usaram dados de 6 mil estações climáticas do Hemisfério Norte, cobrindo o período de 1951 a 1999. "Fizemos simulações tanto com registros históricos de fatores antropogênicos - como épocas de maiores emissões de gases de efeito estufa e outros aerossóiS - como de eventos naturais, como erupções vulcânicas, combinados à ação humana", disse Zwiers. Um dos casos estudados foram as enchentes que assolaram a Inglaterra e o País de Gales no outono de 2000. Na ocasião, os centros urbanos inundaram-se com as águas dos rios que transbordaram, na pior tragédia do tipo desde 1766. Oito anos depois, um fenômeno semelhante assolou novamente a Inglaterra.
Em 2001, o pesquisador Illan Kelman, do Martin Centre da Universidade de Cambridge, escreveu um artigo defendendo que a ação humana provocou as precipitações extremas. "Esse desastre foi, definitivamente, induzido pelo homem", afirmou. Os artigos publicados na Nature mostram, agora, que Kelman estava certo. De acordo com Pardeep Pall, pesquisador do Instituto de Ciências Climáticas e Atmosféricas de Zurique, autor da segunda pesquisa divulgada pela revista, os transbordamentos que destruíram 10 mil propriedades, causando perdas de 1,3 bilhão de libras (cerca de R$ 3,5 bilhões), podem ser atribuídos às ações humanas. "Os gases de efeito estufa aumentam substancialmente as precipitações extremas, podendo dobrar o nível de chuvas. Descobrimos isso usando modelos computacionais detalhados e repetimos as simulações milhares de vezes", afirmou Pall na entrevista coletiva.
Segundo o pesquisador, a magnitude da contribuição antropogênica no evento é incerta. "Mas nove em 10 casos que estudamos por meio de modelos desenvolvidos especificamente para isso indicaram que as emissões de gases de efeito estufa no século 20 aumentaram os riscos de alagamentos na Inglaterra e no País de Gales em mais de 20%, sendo que em três casos esse incremento foi superior a 90%", relatou. "Geralmente, a explicação que se dá para os transbordamentos anormais é que, à medida que o planeta esquenta, aumenta a quantidade de vapor na atmosfera. Apesar de simplista, esse argumento oferece uma resposta física plausível", explicou Pall.
Levando em conta os padrões de aquecimento e outras influências no vapor atmosférico, como a radioatividade decorrente da absorção e da emissão de radiação infravermelha, os cientistas mostraram que o "argumento simplista" é real. "Entender as respostas de padrões de chuva em épocas de aquecimento global é crucial. Os dois artigos demonstram, com base em provas físicas robustas e modelos detalhados construídos cuidadosamente, que a frequência de eventos intensos de tempestades provavelmente vai aumentar com o aquecimento da temperatura induzido pela ação do homem", comentou Richard P. Allan, especialista em meteorologia da Universidade de Reading, na Inglaterra.
Águas geladas
La Niña é um fenômeno oceânico-atmosférico que se caracteriza por um esfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical. Os episódios La Niña têm períodos de aproximadamente 9 a 12 meses, e somente alguns persistem por mais de dois anos, segundo o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (Cepetec).
"Os dois artigos demonstram, com base em provas físicas robustas e modelos detalhados construídos cuidadosamente, que a frequência de eventos intensos de tempestades provavelmente vai aumentar com o aquecimento da temperatura induzido pela ação do homem"