Cortina de fumaça

Na casa da aposentada Maria Aparecida Fonseca, de 78 anos, janela aberta é sinal de problema. É trabalho dobrado para a faxineira e incômodo e risco à saúde para quem fica no apartamento. O imóvel, localizado no Bairro Gutierrez, Região Oeste de BH, tem quatro janelas voltadas para a Avenida Amazonas, uma das vias mais movimentadas de BH. Por ali passam diariamente 53 mil veículos em média - dos quais 7,2 mil ônibus e caminhões. Basta uma fresta para a casa ser invadida por um pó preto. A situação da aposentada é um retrato da piora da qualidade do ar em Belo Horizonte, em especial nos principais corredores da capital. A concentração dessa fumaça, chamada de PM10 e formada por partículas inaláveis que constituem elemento de poluição atmosférica, vem aumentando.

De acordo com dados das três estações que medem a qualidade do ar na capital, a concentração desse poluente no ar cresceu. O pior resultado ocorreu na estação próxima do Aeroporto Carlos Prates, Noroeste de BH: entre 2005 e 2010, último dado disponível, houve aumento de 57% na concentração. As estações são mantidas pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). Elas funcionam 24 horas por dia captando o ar em três pontos da cidade. De hora em hora, são gerados relatórios de concentração das partículas de 10 micrômetros de diâmetro, o chamado PM10, que tanto incomoda donas de casa em forma de fumaça preta e que pode provocar doenças respiratórias.

Quem vive próximo aos principais corredores viários nota o aumento da concentração de pó. "As janelas ficam fechadas quase o tempo todo. De manhã, a faxineira costuma abri-las para ventilar, mas não passa disso. Se qualquer uma das quatro janelas de frente para a Amazonas ficar aberta, a casa fica imunda em um instante", conta dona Aparecida, moradora do Bairro Gutierrez, que também relata incômodo com a fumaça. O vizinho e síndico do prédio de dona Aparecida, Edson Porteiro de Oliveira, 29, não mora em um apartamento virado para a Avenida Amazonas, mas mesmo nos fundos do edifício ele também sofre com a poluição. A janela do quarto que ele divide com a esposa fica fechada o dia todo. "Se abrir, temos que lavar a cortina na máquina de dois em dois meses. Ela fica completamente preta", diz o coordenador de projetos. Como a janela fechada aumenta o calor no cômodo, o quarto só é ocupado na hora de dormir.

Piora Em duas das cabines que analisam o ar de BH, alguns problemas entre 2005 e 2010 comprometeram os dados em alguns anos, mas, ainda assim, é observada tendência de aumento. Em 2010, a média da estação do Carlos Prates, marcou 25,3 microgramas de PM10 por metro cúbico de ar (µg/m3). No mesmo ano, o máximo de PM10 registrado em uma hora foi de 157,8 µg/m3, valor quase oito vezes maior do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A concentração estipulada pela OMS é de 20 µg/m3 e, de acordo com a organização, a capital mineira está em cima do limite, conforme relatório divulgado pelo Estado de Minas em setembro. Em 2009, a estação da Avenida Amazonas registrou concentração média de
15,1 µg/m3 desse tipo de partículas, chegando aos
58 µg/m3 durante uma hora. Como o dado de 2010 da avenida está comprometido por problemas de manutenção da cabine, os números de 2005 a 2009 mostram aumento de 5,5% da concentração de material apenas naquele local. Já a estação posicionada na Praça Rui Barbosa não tem os dados de 2010 e 2009, porém, entre 2005 e 2008 o aumento do PM10 foi de 29,3%.

Aumento da frota Para o analista ambiental da Gerência de Monitoramento de Qualidade do Ar e Emissões da Feam Flávio Ferreira, a situação está relacionada ao aumento da frota. "Daqui a pouco os carros vão ficar mais velhos e por isso a situação é preocupante. Apesar da renovação da frota ter sido muito maior do que a queda na qualidade do ar, proporcionalmente, todos os veículos novos vão ficar velhos e podem aumentar a conta da poluição", diz o analista.

O professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Geraldo Caldeira Bandeira de Melo, também atribui ao aumento da frota a piora na qualidade do ar. E mais: para ele, a situação pode ser ainda mais grave. "Do material particulado, as estações do governo só conseguem captar o PM10. Os motores de automóveis também emitem o material particulado de 2,5 micrômetros de diâmetro, conhecido como PM2,5. E esse poluente, quando inalado pelas pessoas, chega até os pulmões e cai na circulação sanguínea", alerta. "Podemos dizer então que se mesmo com a renovação da frota a concentração de PM10 aumentou, a situação do PM2,5, que não aparece nas medições, deve estar muito pior", completa.

25% dos veículos a diesel poluem muito

A Prefeitura de BH informou que faz diariamente blitzes em pontos estratégicos da capital para flagrar as emissões irregulares da frota movida a diesel. De acordo com a coordenadora de Fiscalização da Secretaria Municipal Ajunta de Fiscalização, Bernadete Carvalho Gomes, só não há operação quando chove. Normalmente são vistoriados de 400 a 500 veículos por mês. "De cada 100 vistoriados, em média 25 emitem mais poluentes do que o permitido, são submetidos a uma advertência e devem regularizar a situação em 15 dias", diz a coordenadora. Em caso de reincidência é aplicada uma multa que pode variar de R$ 200 a R$ 2 mil. A prefeitura informou ainda que tem uma estação equipada para fazer a vistoria dos veículos movidos a álcool, gasolina e gás natural veicular, mas ainda não está funcionando. O governo do estado tem até maio de 2012 para pôr em prática o Plano de Controle Veicular de Minas Gerais, que estabelece ações de gestão e controle da emissão de poluentes por veículos automotores, mas a decisão depende de regulamentação.

Partículas nocivas

As PM10 - popularmente, fumaça, pó ou poeira - são um tipo de partículas inaláveis, de diâmetro inferior a 10 micrômetros (µg), e constituem um elemento de poluição atmosférica. Podem penetrar no aparelho respiratório e provocar inúmeras doenças respiratórias. Quanto mais finas suas partículas, mais nocivas, como a PM2,5, muito comum nos canos de descargas dos automóveis e que ainda não tem registro de medições. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o ideal é que a concentração de PM10 não ultrapasse 20 microgramas por metro cúbico de ar.