Resíduos orgânicos: A ordem é reciclar

Os especialistas garantem: o uso de resíduos orgânicos rende economia de pelo menos 20% nos gastos com a manutenção das fazendas. Em Minas Gerais, produtores rurais decidiram pôr à prova a recomendação e com isso crescem as iniciativas para transformar em benefícios o que seria refugo - do esterco dos animais, às folhas e ao sabugo de milho. Os ganhos vão além do controle do orçamento, contribuindo para a preservação do meio ambiente e para domar o solo. As sobras ricas em matérias orgânicas amaciam solos argilosos e dão mais resistência à terra arenosa. Elas também servem muito bem à compostagem , mas em hipótese alguma podem ser usadas na alimentação dos animais.


Uso de resíduos orgânicos para adubar lavouras, renovar pastagens e gerar energia elétrica leva à redução de pelo menos 20% dos gastos com fertilizantes químicos
A célebre frase na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, atribuída ao químico francês Antoine Lavoisier (1743-1794), inspirou vários produtores rurais de Minas Gerais a apostarem no resíduo orgânico - esterco, folhas, bagaço de cana, sabugo de milho, entre outros - para adubar lavouras e pastagens e, em alguns casos, até gerar energia elétrica para a própria propriedade. O uso desse material pode sair até 20% mais barato em relação ao alto custo dos fertilizantes químicos e, de quebra, beneficiar - e muito - o meio ambiente, pois o adubo orgânico é uma fonte renovável.

"A economia depende muito de cultura, mas o produtor economiza pelo menos 20%. Quando se fala em margem de lucro na agricultura, cujo percentual é pequeno, de 3% a 4%, então, trata-se de um resultado muito bom", avalia Ivo Ribeiro da Silva, professor do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Tradicional material orgânico usado em plantações, a chamada cama de frango é obtida a partir da mistura de sobras de ração, fezes, urina, penas e substratos absorventes que forram o piso das granjas, como a palha de arroz e o bagaço de cana. Esse tipo de adubo resulta do método de compostagem, processo no qual o estrume, depois de colocado à sombra, molhado e revirado regularmente, é fermentado por bactérias.

A cama de frango rende, em média, dois quilos de material orgânico, a cada 40 dias, para cada pintinho criado em cativeiro. Mas o melhor é a economia que pode ser obtida pelo fazendeiro: o adubo natural sai até 30% mais barato do que o insumo químico."Em determinada época do ano, como no verão (dezembro a março), a economia em relação ao adubo químico, levando-se em conta o preço de compra e da qualidade do material, pode ser de 20% a 30%", calcula Walfrido Albernaz, coordenador técnico de Culturas do escritório da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG) de Sete Lagoas, na Região Central mineira.

Albernaz explica que o material se transformará em adubo depois de fermentado por bactérias: "No verão, o processo dura de um mês a um mês e meio. No inverno, devido à baixa temperatura, que inibi a ação do micro-organismo, o tempo necessário é um pouco maior". A compostagem também pode ser feita com estercos de boi e porco. Em Sete Lagoas, os 5,5 mil porcos de José Arnaldo Cardoso Pena, proprietário da Granja do Barreirinho, produzem o equivalente a 80 metros cúbicos por dia de dejetos.

Tubos transportam o resíduo da granja até um tanque, onde o dejeto é fertilizado e transformado em adubo para pastagem do gado. O retorno, enfatiza o fazendeiro, é formidável, pois permite ao pecuarista colocar maior número de bois por hectare tratado com o material orgânico. "Para ter ideia, o adubo me permite ter mais de 600 cabeças no terreno. Se não fosse o biofertilizante, seriam pouco mais de 200 unidades."


Economia até na conta de luz


Além de reduzir o custo da lavoura, resíduo orgânico usado no pasto ajuda a preservar o meio ambiente
O dejeto de animais, uma das matérias-prima para o adubo químico, pode ser usado também para gerar energia elétrica. O esterco é levado até um tanque coberto por lona resistente, onde ocorre a fermentação do material, liberando o gás metano. Este, por sua vez, é resgatado do reservatório por um motor, que vai gerar eletricidade para consumo na própria granja.

"Já tenho o tanque com a lona, onde ocorre a fermentação, e o metano é gerado. Vou adquirir, em breve, o motor para que a energia elétrica seja usada no aquecimento da granja de leitões", conta o fazendeiro José Arnaldo Cardoso Penna, proprietário da Granja Barreirinho, de Sete Lagoas, na Região Central, a 70 quilômetros de Belo Horizonte.

Cardoso Penna já usa parte do estrume da criação para adubar o pasto. Apesar da economia proporcionada pelo adubo orgânico, especialistas alertam que os resíduos não devem, em hipótese alguma, ser usados como fonte de alimento das criações. O destino incorreto do material pode provocar sérias doenças ao rebanho, como botulismo, que tem como causa a ação da bactéria Clostridium Bbotulinum, encontrada em material em decomposição, e o mal da vaca louca. "Se o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) flagrar algum infrator pode até abater os animais. A doença da vaca louca começou com o uso indevido de resíduos", alerta Walfrido Albernaz, coordenador técnico de Culturas do escritório da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG) de Sete Lagoas.

O professor Ivo Ribeiro da Silva, da UFV, acrescenta que o resíduo orgânico é uma ótima solução, desde que usada com critérios corretos. "É um recurso renovável, que pode adubar milho, cana e outros plantios. Porém, não deve ser destinado à criação em hiopótese alguma".

O uso do material orgânico no solo deixa o terreno mais macio, segundo o pesquisador Walder Antonio Gomes de Albuquerque Nunes, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). "Além dos nutrientes, o uso de resíduos ricos em matéria orgânica pode trazer outros benefícios, como tornar o solo mais macio, quando ele é muito argiloso, ou dar mais resistência à terra, se for muito arenoso. Outro grande benefício é aumentar a retenção de água, o que é muito bom para os solos arenosos", afirma.

Albuquerque Nunes destaca que a produção de resíduos orgânicos precisa levar em conta a composição do solo. Para fazer a fertilização correta de qualquer cultura, o primeiro passo é conhecer a sua necessidade de nutrientes e a quantidade de nutrientes disponíveis no solo. "A partir disso, basta verificar quanto em nutrientes deve ser fornecido ao solo com o uso de fertilizantes", diz. O bom uso de resíduos, como fertilizantes, depende da composição do material, o que pode ser observado por meio de análise ou consultando tabelas que já existem em livros ou nos escritórios da assistência técnica.


Legislação para regular embalagem

A substituição do fertilizante químico pelo resíduo orgânico, além de reduzir o custo da lavoura, permitindo ao fazendeiro aplicar a diferença em outros setores da propriedade, também ajuda a preservar o meio ambiente. Um dos grandes problemas provocado pelo uso do material industrializado é a embalagem - geralmente - plástica, cujo período de decomposição pode chegar a 400 anos.

Em dezembro passado, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o decreto 7.404 que regulamentou a Lei 12.305, instituindo a política nacional de resíduos sólidos. Uma das medidas é determinar o recolhimento das embalagens usadas pelos produtores do campo. "Estamos trabalhando para saber como será este procedimento (em Minas). Ainda não há um local correto para colocá-las", diz Nataniel Diniz Nogueira, gerente de Defesa Sanitária Vegetal do IMA.

Minas já saiu na frente de outros estados na destinação das embalagens de agrotóxicos usadas no campo. Neste caso, já há um programa que trata do recolhimento do material. Para se ter ideia do que isso representa, dados do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev) mostram que de janeiro a outubro de 2010, Minas Gerais recolheu 2,265 toneladas de embalagens vazias de agrotóxicos. O volume foi 8,4% maior do que o recolhido em igual período de 2009.

Minas lidera o ranking nacional relativo à fiscalização do uso de agrotóxicos. Em 2009, por exemplo, foram 4,8 mil ações. O segundo colocado, Santa Catarina, realizou pouco menos de 2 mil. De acordo com o IMA, os herbicidas usados na capina química representam o principal agrotóxico comercializado no estado, com fatia de 49,07%. Em seguida, aparecem os inseticidas (26,51%), fungicidas (15,8%), acaricidas (0,005%) e formicidas (0,023%). Os dados se referem a 2009, pois o balanço de 2010 ainda não foi concluído.

 

Jornal "Estado de Minas",7/2/2011