Relutância do Japão em concordar com uma 2ª fase do Protocolo de Kyoto é um dos maiores entraves da cúpula
A falta de coragem dos negociadores é o principal obstáculo ao sucesso na conferência do clima de Cancún.
Quem diz é o negociador maltês Michael Zammit Cutajar, que sabe uma coisa ou outra sobre a Convenção do Clima da ONU: além de ter sido um dos pais da própria convenção e do Protocolo de Kyoto, o diplomata foi também o primeiro secretário-executivo do órgão. "Os países estão se posicionando para não serem culpados pelo fracasso, o que é uma posição muito pouco ambiciosa", disse Cutajar à Folha. Algo como: eu não quero que nada avance necessariamente, mas não quero que ninguém me aponte o dedo pelo fracasso. "Há muita falta de coragem aqui."
Ele conta que, na semana passada, quando o Japão declarou que não se associaria a uma segunda fase de Kyoto, o que ainda pode pôr a perder a conferência de Cancún, o sentimento de muitos países foi de alívio. "Houve um "ah, agora eles vão ser os malvados, não nós"."
A chanceler mexicana, Patricia Espinosa, presidente da COP-16, aproveitou esse sentimento para tentar tirar da sala todos os bodes que ameaçam a negociação.
Os ministros do Meio Ambiente do Brasil e do Reino Unido, Izabella Teixeira e Chris Huhne, foram encarregados por ela de tentarem remover o maior deles: a continuidade de Kyoto.
A lógica japonesa é a de não aceitar prolongar o protocolo porque isso significaria aderir de imediato a um instrumento com obrigações jurídicas. Enquanto isso, os principais concorrentes do Japão, a China e os EUA, seguiriam sem nenhum compromisso legal pelos próximos anos -tempo que levará para dar forma jurídica ao chamado LCA, que inclui os EUA e os emergentes.
NA PELE
Durante a reunião com o Japão, Huhne -que foi jornalista por duas décadas- avisou aos negociadores japoneses que não queria estar na pele deles na sexta-feira para explicar ao público o fracasso de Cancún.
Oficialmente, o país continua inflexível, mas nos bastidores espera-se que até amanhã ele sinalize pela continuidade de Kyoto.
Curiosamente, ontem foi o ministro britânico Huhne quem sofreu um ataque de falta de coragem: ameaçou abandonar Cancún para resolver problemas domésticos em Londres. Voltou atrás.
Outro bode na sala foi colocado pela Bolívia em relação a florestas, na recusa em incluir mecanismos de mercado como possibilidades para financiar a redução do desmatamento.
Durante as conversas diplomáticas, foi incluída no texto outra opção, que priorizava mecanismos de mercado. "Está na cara que o caminho do meio [que inclui mercado e doações] será adotado, como deveria ter sido desde o início", diz um delegado sul-americano.
Se forem removidos todos os bodes, a conferência de Cancún deverá terminar onde deveria ter terminado a de Copenhague, no ano passado: com as metas nacionais de redução de emissões inscritas no Acordo de Copenhague "ancoradas" em um texto oficial e várias pequenas decisões prontas para serem implementadas (leia à dir.).
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, resumiu o espírito das negociações: "Isto não é uma corrida de velocidade, mas uma maratona."
O PACOTE DE MEDIDAS PREPARADO EM CANCÚN
AÇÕES FUTURAS (VISÃO COMPARTILHADA)
- Os países reconhecem que o aquecimento global é inequívoco
- As nações devem cooperar para estabilizar as concentrações de CO2 na atmosfera "bem abaixo" das 350 partes por milhão
ADAPTAÇÃO
- Países desenvolvidos deverão financiar as ações de adaptação em países em desenvolvimento
- Os países podem estabelecer um Comitê de Adaptação para implementar ações nesse sentido, ou podem simplesmente continuar pensando no assunto
MITIGAÇÃO
- O ano-base para as reduções de emissão pelos países ricos será 1990, e não 2005, como queriam os EUA
- Não há consenso sobre a produção de um acordo legalmente vinculante que inclua os EUA e os países em desenvolvimento
- Não há o reconhecimento formal do "buraco" de 5 bilhões de toneladas de CO2 nas ações hoje propostas
Nanicos, países insulares vão "dar exemplo"
Por toda parte em Cancún, ouvem-se apelos para as gerações futuras. Há um grupo, porém, em cujos discursos essas alusões soam menos protocolares: os pequenos países-ilhas.
Marcus Stephen, presidente de Nauru (14 mil pessoas, 21 km2), afirmou que nem sua língua tem termos tão exóticos quanto o idioma falado nas negociações. Citou "LULUCF" (uso da terra, mudança do uso da terra e florestas, em inglês).
Seu colega de Palau (20 mil pessoas, 459 km2), soou mais dramático: "Nossa própria existência depende dos oceanos, mas hoje estamos na linha de frente da mudança do clima. Os oceanos agora nos ameaçam".
As emissões de Nauru somam 20 mil toneladas de gás carbônico por ano. EUA e China emitem umas 400 mil vezes mais. Apesar disso, os países-ilhas querem dar o exemplo.
Para isso, o grupo de pequenos Estados lançou uma central de finanças e tecnologia, inaugurada com US$ 14,5 milhões da Dinamarca, para se dotar de sistemas de energia que emitam menos gases do efeito estufa.