BH não está preparada para o período chuvoso

Depois de 95 dias de estiagem, o pequeno Pedro Henrique, de 6 anos, se desesperou ontem, quando viu o céu escurecer e trazer uma chuva fina, avisando que a estação das águas está prestes a castigar Belo Horizonte. "Ele disse: ‘Mamãe, mamãe, vamos lá para cima (no segundo andar da casa); eu não quero morrer na chuva'", conta a dona de casa Rosilene Maria dos Santos, de 32. O menino tem razões para ter pavor desta época do ano: ele é filho de Edgar Bispo dos Santos, levado em novembro do ano passado pelo Ribeirão do Onça, na Região Nordeste de Belo Horizonte, depois de ajudar a salvar 21 famílias da primeira enchente daquela temporada. Foi a primeira das 18 vítimas dos temporais de 2010. O desespero da família é o mesmo de quem mora em áreas próximas a rios e córregos que inundam com frequência e onde obras de combate a enchentes não foram concluídas ou nem sequer começaram. Um ano depois, a cidade não está preparada para as tempestades, avaliam especialistas, e a previsão é de que elas sejam piores este ano.
Professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e da Newton Paiva procurados pela equipe do Estado de Minas são unânimes ao afirmar que a capital não está pronta para enfrentar o tempo chuvoso. Parecer que torna o destino da capital sombrio diante dos dados meteorológicos das 200 estações da Cemig, que indicam temporais mais intensos que os dos últimos anos, em razão do aumento da temperatura média entre outubro e dezembro. Com o calor acima de 27,7°C, que é a média máxima histórica, são esperadas chuvas de fim de tarde com precipitação superior a 50 milímetros, ventos com mais de 50km/h e tempestades elétricas. "O calor intenso provoca muita evaporação. Por isso, devemos ter mais temporais nesta estação chuvosa. Isso é preocupante, pois teremos um grande volume de água sendo despejado em pouco tempo, exigindo mais da rede de drenagem da cidade", afirma o gerente de Planejamento Energético da Cemig, Marcelo de Deus Melo.

A situação do Ribeirão do Onça, entre a Avenida Cristiano Machado e o Bairro Novo Aarão Reis, na Região Nordeste, é a mais crítica na opinião da especialista em gestão ambiental e planejamento urbano e ambiental da Newton Paiva Fernanda Raggi Grossi Silva. "É o local mais frágil da cidade. A ocupação irregular nas bordas do ribeirão contribuiu para seu assoreamento, com o lançamento contínuo de esgoto e de entulho. Quando a chuva vier, a calha não vai comportar tanta água e as casas vão inundar de novo", avisa. "É um ponto nevrálgico também para o trânsito da cidade. Se as águas do Onça subirem, a Cristiano Machado para", acrescenta o professor de engenharia da UFMG Márcio Baptista. "A cidade não está pronta para enfrentar temporais tão fortes, principalmente porque as principais obras ainda estão em andamento", conclui o professor de engenharia hidráulica da PUC Minas Márcio Ferreira Mendes. A situação é agravada pela crescente impermeabilização da cidade, que aumenta a carga sobre o sistema de drenagem.
Você se lembra de como a Cristiano Machado ficou alagada? Confira fotos da enchente

 

Os montes de entulho e lixo despejados sem qualquer cerimônia por carroceiros e moradores na beira do Ribeirão do Onça, na Região Nordeste, são a única estrutura erguida por lá desde que as chuvas trouxeram morte e prejuízos para os moradores. A Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) informa que ainda desenvolve projetos para o local e que houve remoções de áreas de risco. No entanto, à beira do curso d'água já assoreado, em meio a geladeiras velhas, pneus, móveis estragados e todo tipo de lixo, se erguem moradias como a da viúva de Edgar Bispo, Rosilene dos Santos. "O problema aqui é só este córrego. Se resolvessem a situação da água, eu e meus filhos ficaríamos tranquilos", diz.

Não se trata de exclusividade do quadrante Norte da cidade. Na Zona Sul, detritos de construção e jardinagem sobre bueiros nas ruas vizinhas à Avenida Prudente de Morais, na Cidade Jardim, também preocupam moradores, comerciantes e quem transita por uma das principais vias da região. A Rua Joaquim Murtinho continua a receber entulho e restos de poda. Foi nessa via que um alagamento, em 2009, provocou a morte por afogamento de um casal de idosos que estava em um carro. "As pessoas não pensam que elas mesmas estão entupindo os bueiros que vão trazer a água para dentro das casas e dos estabelecimentos", reclama Adriana Lúcia Nascimento, de 28 anos, dona de um restaurante no local, que precisou gastar R$ 5 mil para tentar se prevenir dos alagamentos, depois de ter um prejuízo de R$ 20 mil com mercadorias e eletrodomésticos perdidos também em 2009. No local, a prefeitura faz a manutenção dos bueiros, mas nenhuma obra ocorreu desde o acidente, segundo os moradores. Em outras áreas da cidade, a situação é semelhante e em algumas, embora haja obras em andamento, elas não ficarão prontas antes dos temporais.