Permitir o acesso de todos ao saneamento básico é um desafio de Belo Horizonte, a última cidade visitada por O TEMPO para a série especial de reportagens sobre o tema, que também abordou Confins, Ribeirão das Neves, Esmeraldas e São Joaquim de Bicas, na região metropolitana.
A capital tem 99,7% do esgoto coletado, de acordo com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Os índices, considerados de primeiro mundo, colocam o município em posição de destaque nacional. Mas ainda há obstáculos. Além de ligar todos os domicílios à rede coletora, é preciso aumentar o índice do tratamento de efluentes, que hoje é de 88%.
Dividida ao meio por um córrego que carrega esgoto e lixo, a Vila Biquinhas, na região Norte, é exemplo de local onde a realidade contrasta com o resto da cidade. Casas como a do acompanhante de idosos Sidenil Valentim da Silva, 48, ficam na margem do córrego Baronesa, que recebe dejetos de toda a região. A água contaminada que corre no leito leva também muito medo aos cerca de 1.900 habitantes do entorno. Além do risco de doenças e de atrair animais, como baratas e ratos, o córrego transborda na época das chuvas e invade os imóveis.
O pai de família mostra na perna a alergia que atribui ao contato com a água suja. "A gente mora aqui não é porque gosta. Até hoje, só ouvimos promessas, mas nunca foi feito nada", desabafa ele, que vive com a mulher e os quatro filhos pequenos.
Vizinha de Silva, a faxineira Cleidilene Aparecida dos Santos, 36, foi obrigada a construir um muro na entrada da varanda de casa para tentar conter as enchentes e os bichos. "A gente convive com esgoto, lixo, enchente, rato, barata. É desumano", afirma.
A situação da Vila Biquinhas mostra que, mesmo na cidade considerada modelo em saneamento básico, o artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante a todas as pessoas o "direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar", ainda está longe de ser cumprido.
Queima-filme. No outro lado da equação do saneamento, está o tratamento dos efluentes, que, em Belo Horizonte, tem como grande símbolo de carência a Lagoa da Pampulha. Um dos cartões-postais da cidade, o local recebe diariamente esgoto "in natura" de cerca de 45 bairros de Belo Horizonte e 20 bairros de Contagem. Em alguns pontos, o mau cheiro obriga as pessoas a tapar o nariz. O visual, que atrai turistas do mundo todo, perdeu muito de seu brilho.
"É uma vergonha termos um dos nossos principais pontos turísticos poluído desse jeito", disse a advogada Letícia Rezende, 26, que caminhava na orla anteontem. Na superfície esverdeada da água, era possível ver dejetos e lixo boiando.