O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) propôs, no dia 8 de junho, uma ação cautelar para impedir a concessão de licença de instalação da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Sumidouro até que seja realizada avaliação ambiental integrada dos impactos cumulativos e sinérgicos dos diversos empreendimentos previstos para a bacia do rio Santo Antônio.
A licença de instalação seria votada na reunião da Unidade Regional Colegiada Jequitinhonha (URC-JEQ), do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). No entanto, a liminar, deferida pela juíza de Direito Lílian Maciel Santos, da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, determinou ao Estado a exclusão da discussão não apenas da pauta da reunião realizada no dia 9 de junho, como também de outras reuniões, até a decisão da ação principal a ser proposta.
A decisão, invocando o princípio da precaução, dispôs que, mesmo não havendo certeza científica do dano, o benefício da dúvida deve prevalecer em favor do meio ambiente, destacando ainda que "qualquer leigo de escassas luzes ou doutor da maior suposição, por óbvio, concluiria que uma análise isolada e pontual de um empreendimento pode não ser lesiva ao meio ambiente. No entanto, vários empreendimentos numa mesma localidade, no caso na bacia do rio Santo Antônio, podem ter dimensões efetivamente catastróficas. Daí, justamente não ser suficiente um estudo de impacto ambiental, mas sim o estudo integrado, pois só avaliando o conjunto, contextualizando todos os empreendimentos e o impacto deles é que será possível mensurar a viabilidade dos licenciamentos".
Relevância ambiental
A discussão é ainda mais relevante frente à importância ambiental do rio Santo Antônio, reconhecida em diversos trabalhos chancelados pelo próprio Poder Público. A bacia foi incluída na categoria A por ser área de extrema importância biológica para a conservação de peixes em Minas Gerais, conforme o documento "Avaliação e ações prioritárias para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica e Campos Sulinos", elaborado pela Conservation International do Brasil, Fundação S.O.S. Mata Atlântica, Fundação Biodiversitas, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad)/Instituto Estadual de Florestas-MG e publicado pelo Ministério do Meio Ambiente.
Também a publicação Biodiversidade em Minas Gerais - um atlas para sua conservação, da Fundação Biodiversitas, inclui o alto rio Santo Antônio como área prioritária para conservação de peixes em Minas Gerais, com importância biológica especial, categoria de maior relevância para conservação, pela ocorrência de espécies restritas à área no Estado.
Segundo a lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção, várias das espécies que ocorrem na bacia do rio Santo Antônio são endêmicas, ameaçadas de extinção ou de ocorrência restrita à drenagem, como surubim-do-doce, o andirá, pirapitinga e o piau, fato que demonstra a importância da bacia como área mantenedora de biodiversidade nas bacias do Leste brasileiro.
No alto rio Santo Antônio já existem diversos empreendimentos em operação, como as usinas hidrelétricas (UHE) Salto Grande e Porto Estrela, e em licenciamento, destacando-se as PCHs Monjolo e Brejaúba, que já possuem licença de instalação, as PCHs Sumidouro e Quinquim, que já possuem licença prévia, e as PCHs Ferradura e Sete Cachoeiras, que estão em fase de licenciamento prévio. [
No entanto, as barragens para geração de energia são as principais ameaças às espécies citadas, podendo inclusive levar à sua extinção local, ou mesmo global, no caso do andirá, que só ocorre nas áreas que serão atingidas pelas PCHs.
Os licenciamentos foram feitos, até o momento, de forma desintegrada, desconsiderando impactos cumulativos e capacidade real de suporte para manutenção das características originais da bacia. O próprio presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) - órgão subordinado à Semad -, José Cláudio Junqueira, em palestra proferida no âmbito de debate público realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, usou o exemplo da bacia do rio Santo Antônio e dos empreendimentos nela previstos para demonstrar a gravidade do problema dos impactos cumulativos e sinérgicos de PCHs e a necessidade de estudos mais abrangentes, integrados e não pontuais, no processo de tomada de decisão.
Foi demonstrado que a implantação sequencial das oito PCHs inventariadas reduziria de 139,10 km para 22,6 km os trechos livres de barramento, sendo o maior trecho livre com 8,3 km e o menor com 2,1 km. Ficariam comprometidos com as barragens, reservatórios e respectivos trechos de vazão reduzida 83,8% do rio que, atualmente, ainda não sofreu praticamente nenhuma intervenção. Para o presidente da Feam, "considerando que os licenciamentos ambientais são individualizados, a análise integrada dos impactos socioambientais associados a esses conjuntos de empreendimentos deve ser subsídio à tomada de decisão quanto a sua implantação".
Segundo informado pelo coordenador regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Jequitinhonha e Mucuri, Francisco Chaves Generoso, o MPMG tentou atuar tanto no processo de licenciamento ambiental, por meio de apresentação de parecer técnico-jurídico no Copam, quanto por meio de Recomendação dirigida ao secretário de Estado de Meio Ambiente, para que fossem suspensos os processos de licenciamento de empreendimentos até a realização da avaliação ambiental integrada. "Apesar das tentativas de resolução extrajudicial, a judicialização do caso foi inevitável. Num primeiro momento, tanto o Copam quanto a Semad acataram os argumentos apresentados pelo Ministério Público. O processo de licenciamento da PCH Sumidouro foi baixado em diligência, enquanto a Semad respondeu formalmente que, conjuntamente com o Ministério Público, articularia com os empreendedores da referida bacia hidrográfica a realização da avaliação ambiental integrada dos impactos sinérgicos decorrentes dos empreendimentos hidrelétricos do alto rio Santo Antônio. Mas, sem que houvesse qualquer mudança de contexto, ou seja, mesmo sem a realização da avaliação ambiental integrada, o empreendimento PCH Sumidouro foi pautado na última reunião da URC-JEQ, o que motivou a propositura da ação cautelar", esclareceu Francisco Generoso.
A ação cautelar foi assinada pelos promotores de Justiça Mônica Aparecida Bezerra Cavalcanti Fiorentino, curadora do Meio Ambiente de Belo Horizonte; Francisco Chaves Generoso, coordenador regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Jequitinhonha e Mucuri; Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba; Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, e Paulo César Vicente de Lima, coordenador-geral das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente por Bacia Hidrográfica.
Cabe recurso da decisão liminar proferida na ação cautelar.